sexta-feira, 2 de setembro de 2011

PLANOS

 

Sentado na poltrona, sem mais nada a fazer, decidi prestar atenção no que ocorria ao meu redor. Tinha um bom número de pessoas no ambiente. Acho que não notavam a minha presença. Da janela eu observava as pessoas lá fora. Todas tocando suas vidas sem saber a minha existência, nem que eu as observava. Vi uma senhora já de idade na porta de sua humilde casa, imaginativa, talvez pensando na vida, relembrando suas experiências. Ali próximo, uma mulher sentada num tamborete catava piolho em seu filho menor sentado ao chão. E puxava, olhava e jogava, e o pobre menino resmungava com a cara de choro. Na casa ao lado, uma jovem, talvez ainda adolescente, dava de mamar a seu bebezinho. Uma criancinha mal vestida e suja chorava puxando a saia da jovem. Creio que com fome. O catarro escorria-lhe até a boca e, de vez em quando, a menininha esfregava o nariz com o dedo indicador tentando contê-lo.
Voltei meu olhar novamente para o recinto. As pessoas estavam sentadas em pares. E conversavam. Conversavam muito. Como não havia mais espaço, duas pessoas se encontravam em pé no centro do ambiente. Prestei atenção no que estavam conversando.
    -- Amiga, hoje eu fui ao shoping, e comprei umas peças de roupas que estavam em promoção.
    -- Em qual loja, Bia?
    -- No Atacadão Merlinda.
    -- Hum. Adoro aquela loja. Lá tem tudo bonito e barato.
    -- Pois é.
    Naquele espaço, as conversas eram variadas. Dois senhores já idosos falavam sobre política. Nem prestei atenção na conversa porque não gosto muito de política, mas ouvi-os falarem num tal de Zé Pirrita Vereador. Tirando conclusões pelo nome, creio que mais um político palhaço.
Um camarada, que não estava nem aí pro mundo, ouvia musicas com seus fones de ouvido. E cantava sem se preocupar com o que as pessoas achavam dele. De olhos fechados e com a cabeça erguida sobre a poltrona, seguia o ritmo que cantava batendo no braço da poltrona com o pulso e as pontas dos dedos.
-- Doido ele, né? -- Cochichou uma moça para sua amiga. Elas estavam sentadas uma ao lado da outra, próximo ao corredor.
-- Né isso, amiga, doido em todo canto se encontra! -- Deu uma risadinha se contorcendo para contemplar o rapaz cantarolar.
O vento batia em meu rosto avisando-me que vidas aconteciam lá fora enquanto eu prestava atenção nas conversas alheias. Virei-me novamente para a janela. E como a vida corria depressa lá fora. Como um passe de mágica a paisagem havia mudado completamente. Agora não se encontrava mais a mulher catando piolhos, nem a adolescente com seu filho nos braços, nem a criança com o catarro escorrendo no rosto. Dessa vez, apenas uma senhora idosa, cujas rugas denunciavam seus 70 anos e pouco. Eestava sentada na calçada, em sua cadeira de madeira sem braços. Ela acomodava um gato cinzento em seu colo, e fazia-lho carinho enquanto balbuciava palavras insonoras. Ali mais a frente, um senhor de chapéu de palha e com uma enxada nas costas caminhava de cabeça baixa, fumando seu velho cigarro pé-de-burro.
Em meia hora que passei ali observei tantas coisas que nunca havia percebido antes. Fiquei impressionado com a quantidade de coisas que acontecem ao nosso redor enquanto vivemos nossas vidas presos em nós mesmos. No curto espaço de tempo de 30 minutos, vi no recinto que me encontrava pessoas conversando de tudo e de todos, comendo pipoca, mastigando chiclete, bebendo água, sorrindo, imaginado na vida, ou simplesmente cochilando. Lá fora, vi crianças jogando de bola, soltando pipa, brincando de esconde-esconde, sorrindo, chorando, correndo, pulando, ou simplesmente quietas. Vi trabalhadores construindo casas e prédios, cortando cana-de-açúcar, limpando mato, trocando lâmpada em poste, consertando cerca, pastorando gado, ou simplesmente bebendo num bar depois do trabalho. Vi carros que passavam velozes ou que estavam parados, ciclistas que passavam cantarolando, assoviando, fumando ou ofegando. Vi casas de vários formatos e cores, paisagens verdes e cinzentas. Enfim, vi pessoas de vários tamanhos e feições, que vivendo seus mundos, transformavam o meu e o nosso mundo.
Agora meus olhos estão fixados num urubu que voa lentamente e distante. Creio que, com a vida passando tão depressa diante de nós, ninguém naquele momento estivesse prestando atenção naquele urubu. Mas eu estava. E isso me fazia sentir-se único.
          Ainda estava eu ali, paquerando aquele urubu e pensando na vida, capturando planos com a visão, quando senti uma truncada que arremessou meu corpo um pouco pra frente. O ônibus parou. Tenho que descer.



Paulo Hipólito

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